quarta-feira, 22 de julho de 2009

Democracia do Conteúdo

A mídia vive falando do conceito de licença de uso. Mas você já parou para pensar o que isso significa?

Quando você compra um carro, isso lhe dá o direito de fazer o que você quiser com ele. Você pode, por exemplo, modificá-lo, para colocar rodas de liga ou instalar um acessório como um aerofólio, sem que o fabricante do seu carro fique lhe dizendo que ele detém direitos exclusivos de criação sobre a obra e que você não pode modificá-lo. Da mesma maneira, um fabricante pode fazer uma tampa de motor que sirva em um modelo de caro com furações especiais para entrada de ar ou coisa parecida sem que o fabricante fique dizendo que tem direitos intelectuais sobre o encaixe e que isso viola seus direitos autorais. Na realidade é comum você encontrar peças como portas, pára-lamas e maçanetas de veículos populares abastecendo o mercado de peças paralelas sem que isso constitua uma violação de direitos. Se você quiser dá para montar um Fusca quase inteirinho com peças paralelas e isso não constitui cópia do design da Volkswagen.

O mesmo ocorre com tênis, Air Force One da Nike. Segundo o Livro “The Pirates Dilemma” de “Matt Mason” http://thepiratesdilemma.com/ o tênis era um sucesso entre o pessoal do Hip Hop (apesar de originalmente ser um tênis para basquete), e um designer Tomoaki Nagao de Tóquio ele pegou o tênis, usou novos materiais e cores e arrancou o logotipo da Nike e colocou o seu por cima. O tênis foi um enorme sucesso sendo vendido mais caro que o original. Nagao considerava seu tênis como sua obra exclusiva, e ao invés da Nike processá-lo, ela percebeu que isso era concorrência e passou incorporar as idéias de Nagao nos seus tênis e mudou o estilo do calçado.

Na música isso é conhecido como remix ou sampler. Músicos pegam uma música, modificam e a transformam em outra sem que isso seja necessariamente um plágio.

No YouTube, é constante o uso de filmes ou trechos de filmes para se criar obras remixadas totalmente novas, que muitas vezes são mais interessantes que o original. Mas muitas vezes a indústria de mídia não recebe tão bem isso como a Nike ou outros fabricantes. Porque não? Porque eles te vendem uma licença de uso e não a obra em si. Uma licença é como um aluguel. Você pode usar um quarto de hotel durante um certo período, pois isso é um SERVIÇO. Você tem um período para usar. É como andar de montanha-russa. Você não compra o brinquedo, mas sim o direito de usá-lo por uma volta.

O que diferencia é que uma licença de uso deveria ser por um tempo determinado. Mas então se criou o conceito de licença de uso com uso indeterminado. Para se ter uma idéia de comparação é como se eu pudesse usar uma montanha russa indefinidamente e de maneira exclusiva. De que isso diferiria de propriedade? É que com a licença, você não pode copiar, ou modificar, ou usá-la em público sem pagar mais para o dono. E se você não quiser mais usar, você não pode devolver para o proprietário onde ele deveria lhe pagar a diferença pelo direito. Algo como se eu tivesse pagado pelo direito de usar um quarto de hotel por 6 meses e após um mês tivesse desistido de usar o restante.

Quando você compra um Windows Vista, ele tem um “prazo de validade” até quando você pode usá-lo. Mas o certo seria, você comprar um Windows por 5 anos. E se no meio desse tempo, a Microsoft lançasse uma versão mais moderna, eu deveria poder trocar. Após o fim do prazo eu deveria renovar a licença ou pagar por mês de uso, algo como um aluguel. Um exemplo, certa vez eu havia comprado um antivírus e quando veio a versão mais nova do Windows eu comprei e instalei. Descobri que o antivírus não era compatível. Quando fui reclamar ao fabricante que eu tinha dois anos de licença pagos ele me disse faça o downgrade do Windows ou compre a versão mais nova do antivírus. Como se meu único propósito para ter o computador fosse rodar o antivírus. Ele também se recusou a devolver o dinheiro da licença paga. O que seria óbvio! Mas parecia que eu estava falando alguma heresia. Hoje a Microsoft permite downgrade de um Vista para XP, mas nem sempre foi assim. Mas para fazer isso você tem que pagar US$ 60 e mais o frete para que eles te mandem um CD com o XP (que poderia ser baixado) e só para a versão Full. Nem pense em fazer isso com um Windows OEM (aquele que vem pré instalado). Não compreendo porque eu devo pagar para fazer um downgrade por incompatibilidade que o sistema apresenta. Agora se você já tem o XP e quer fazer um upgrade para o Vista. Adivinha, você paga algo como 70% da licença do full. Aliás, chega a ser bizarro. Você pode pagar 799 na atualização (preço a vista pesquisado no Wallmart) e 764,15 (preço também a vista da loja BreShop On Line).

Em minha opinião não faz sentido pagar nem por um upgrade ou downgrade exceto uma módica quantia pela mídia física (que deveria poder ser baixada de graça). Software deveria ser oferecido como um serviço e não como propriedade.

Mas continuando no conceito de remix e modificar o conteúdo, os jogadores de games encontraram também uma forma de melhorar os jogos existentes. Isso ficou conhecido como MOD (MODplay). Ou seja, amantes dos jogos ficaram entediados com as fases existentes e hackearam (desculpem-me pelo neologismo) os jogos e criaram suas próprias fases e características especiais. Percebendo isso os fabricantes ao invés de puni-los (alguns ficaram bravos com isso), resolveram incluir ferramentas que permitem aos usuários criarem seus próprios mapas, terrenos, roupas, personagens, customizar personagens, em fim criar. Jogos como SimCity dão varias ferramentas para que os usuários criem todo tipo de coisa e incluam no jogo. Com isso o jogo ganhou mais tempo de vida. Os usuários não se enjoavam tão facilmente do jogo e foi possível criar uma infinidade de recursos variados para o jogo. Isso custaria muito dinheiro ao fabricante para criar toda essa variedade. Ou seja, ao invés dos fabricantes perderem ao deixar o usuário criar o próprio conteúdo.

Alguns usuários levaram essa idéia de modificar o conteúdo a outro nível. Uma vez que um jogo tem roupas, cenários, iluminação, pode-se controlar o ponto de vista da câmera e o que faz e para onde vão os personagens... Começo-se a produzir filmes baseados em Games. Assim nasceu o Red VS Blue http://redvsblue.com/home.php onde usando o jogo Halo como “pano de fundo” os seus autores conseguiram criar um novo ramo de entretenimento cinematográfico chamado Machinema (Machine+ Cinema) http://pt.wikipedia.org/wiki/Machinima

onde a criatividade dos usuários dos jogos é transformado numa forma de expressão. Reparem que os jogos, o design, a trilha, etc teoricamente são protegidos pelos direitos autorais. Mas o que fizeram os fabricantes de jogos? Estão acionando os usuários na justiça por pirataria não autorizado da sua imagem? Não, na verdade eles vem apoiando o gênero (porque vende mais games), e não é improvável que acabem sendo criadas ferramentas exclusivas para esse fim.

Em resumo, os direitos autorais restringem a criatividade e a colaboração de múltiplas pessoas. Não fossem por alguns empresários que perceberam nisso uma revolução e se as leis tivessem sido aplicadas essa criatividade poderia ser tolhida. Nem todos os fabricantes de produtos, games e filmes levam essa idéia na boa. Os produtores da Panic Struck Productions http://www.panicstruckpro.com/revelations/ tiveram muito trabalho em convencer a George Lucas e a Fox a liberarem a produção do Fan Movie - Star Wars Revelations. A idéia do filme é dar uma continuidade a série de filmes Guerra Nas Estrelas. Eles produziram um longa metragem inteiro que pode ser baixado de graça pela internet no endereço acima, onde eles usam efeitos surpreendentemente (o filme é todo amador) e que só deixa a desejar na qualidade dos atores (que são fãs e não atores profissionais). Cada vez mais produzir remixar e gerar novo conteúdo a partir de coisas existentes vai deixar de ser uma raridade. Isso é uma tendência e os direitos autorais vão ter que ser alterados para permitir isso. Não há como voltar.

 
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