segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Pirataria e o Software

O conceito de fazer uma vez e vender muitas o mesmo trabalho tem fascinado muitas empresas do vale do silício e no mundo todo. Desde que Bill Gates fundou a Microsoft ele percebeu o potencial disso. Na realidade ele mesmo experimentou em 1ª mão a pirataria. Antes os programas de computador eram vendidos com as máquinas.

A IBM não cobrava pelo Software por que ela estava no ramo de vender "caixas" a preços estratosféricos. As empresas pagavam, porque elas necessitavam desesperadamente dos benefícios trazidos pelos computadores. Assim com os lucros obtidos com a venda do hardware ela basicamente desenvolvia todo software básico necessário e os clientes desenvolviam seus próprios programas. Mas em meados dos anos 70 isso começou a mudar e cada vez mais companhias produziam programas que eram vendidos separadamente do Hardware. A idéia inicial era justa. Uma empresa desenvolve um programa e isso custa dinheiro. Então ela deveria cobrar por cada cópia vendida para cobrir os custos e ter um lucro justo. Quando os mainframes passaram a ter múltiplos usuários uma mina de ouro foi descoberta os programas passaram a ser vendidos, por usuário ou até mesmo condicionado a memória e capacidade de processamento. Não era incomum para as empresas ao fazerem um upgrade da máquina terem que reconsiderar os custos da licença do software que apesar de não mudar em nada, passaria a custar mais!

Com os microcomputadores essa foi seguindo sendo uma relação complicada e usualmente o software para micro computadores era vendido por máquina. Mas a indústria de informática necessita de padrões. Quando a IBM ditava as regras todo o software que rodava em uma máquina IBM era basicamente o mesmo. Ao chegarem os microcomputadores os problemas de padronização ficaram evidentes. Assim algum software que se tornava “popular” logo acabava se tornando o padrão de fato do mercado.

Percebendo isso algumas empresas como a McAfee (John McAfee), da “McAfee anti-virus” e a Pkware (Phill Katz) do PKZIP, notaram que seus programas não se tornariam sucesso em meio a muitos outros se não fossem conhecidos. Para isso eles resolveram distribuí-los de graça, ou quase. Devido a isso esses programas foram por muito tempo sinônimo de antivírus e compactador. Nasciam assim os sharewares. Programas que eram distribuídos gratuitamente que podiam ser usados por um período, ou ainda indefinidamente. Mas se você desejasse uma licença ou atualizações deveria comprá-los. Tipo uma amostra grátis.

Essa prática é comum hoje e vários fabricantes investem em produtos gratuitos com intuito de fisgar o consumidor e tornar-se padrão do mercado ou pelo menos uma referência e então poder cobrar e recuperar todo o investimento. É um risco. Muitas companhias não chegam a ter êxito, mas a maioria delas recupera o que investiu só com a venda de licenças para empresas (nesses casos os produtos não costumam ser gratuitos).

Mas porque arriscar dar o seu produto de graça?

Porque o prêmio se essa estratégia der certo é a fortuna. Uma fortuna muitas vezes maior tudo o que foi gasto no desenvolvimento. Por exemplo, a PKWARE durante anos deu o produto de graça. Existiam outros programas semelhantes (LHARC, ARJ, etc), mas sua estratégia se tornou tão bem sucedida que logo ZIP se tornou um padrão de fato. Quando isso aconteceu você podia mandar um arquivo “zipado” para qualquer pessoa, porque você sabia que ela teria acesso ao programa para descompactar. As empresas recebiam arquivos nesse formato, logo se viram obrigadas a comprar licenças do produto. Após algum tempo o “zipar” se tornou sinônimo de compactação e entrou para o vocabulário informático (quem sabe talvez entre até para o Aurélio). Dezenas de milhões de pessoas usavam esse programa e alguns milhões pagavam uma taxa irrisória por ele, mas se você fatura apenas US$ 1 de 40 milhões de usuários...você fica muito rico.

Os Sistemas Operacionais e as Suítes de Escritório

Mas nem sempre o shareware foi a maneira que a indústria para seus  programas virarem padrão do mercado. A Microsoft comprou por US$ 50 mil o DOS de outra pessoa e o licenciou para a IBM para que ele fosse vendido com cada máquina. Logo o DOS se tornaria um padrão, simplesmente por que era essencial para usar quase todo computador.

Mais tarde a Microsoft, abordou a Apple para que eles o deixassem desenvolver programas para a Apple Lisa (o 1º computador com sistema operacional gráfico), e a Microsoft simplesmente pirateou as idéias de Steve Jobs. Na verdade Steve Jobs também pirateou as idéias da Xerox Parc (assistam ao filme Os Piratas de Silicon Valley). Usando dinheiro que a IBM pagava a Microsoft para que ela desenvolvesse um sistema operacional gráfico para os IBM PC (o finado OS/2) a Microsoft desenvolveu o Windows. Tudo isso foi alvo de litígio judicial. A própria Microsoft surgiu da pirataria.

Mas dizer que a Microsoft pirateou primeiro, não é uma justificativa para roubar as licenças de software. De fato, ela investiu do próprio bolso muito dinheiro para desenvolver o Windows 95.

De lá para cá a estrutura básica do Windows sofreu alterações é verdade, mas como inovação tecnológica o Windows Vista ainda guarda impressionantes similaridades com seu bisavô, assim nem todo desenvolvimento do Vista começou do zero.

Quanto custaria para desenvolver um Windows?

O que a Microsoft cobra é justo? Difícil responder, mas podemos estimar os ganhos. Desde o Windows 95 a Intel um dos maiores fornecedores de processadores para essa plataforma já fabricou aproximadamente 3 bilhões de micro processadores. Nem todos eles usam Windows, mas a Intel não é a única nesse mercado. Assim vamos assumir para efeito de cálculo que cada Intel estivesse rodando um Windows e que cada um tivesse pagado uns 30 dólares de royalties à Microsoft. Só nisso ela teria arrecadado 90 Bilhões de dólares nos últimos 13 anos.

Essa quantia me parece suficiente para bancar TODOS os custos de desenvolvimento do Windows desde o 95 até o Vista. Só no ano de 2008 a Intel chegou a produzir 200 milhões de processadores. Imagino que uns 30 dólares por processador (US$ 6 Bi) seriam suficientes para reescrever toda uma nova versão do Windows.

Entretanto a Microsoft cobra entre US$ 100 e US$ 600 por windows instalado em microcomputador legalmente de sua versão mais recente do Windows. Ou seja, se fossem cinqüenta dólares de lucro líquido médio em cada Windows vendido e que todos os processadores Intel vendidos (não se esqueçam que existem outras marcas) estivessem executando uma versão oficial do Windows daria para imaginar que a Microsoft lucraria só no último ano algo como 10 Bilhões de dólares!!!! Na realidade a minha estimativa parece bem rasoável, já que em 2008 a Microsoft lucrou líquido (sem P&D) 17,6 Bilhões de dólares segundo o Yahoo Finance (http://finance.yahoo.com/q/is?s=MSFT&annual) uma vez que eu só estou estimando o Windows e com base em processadores, até que não é um paplite ruim.

Você consegue imaginar o quanto dinheiro é isso? Para se ter uma idéia o PIB do Uruguai é de cerca de 19 bilhões de dólares! Ou seja a Microsof lucra mais que o PIB de nações!

Não estou sugerindo que a Microsoft não deva ganhar dinheiro, mas é óbvio que se ela vendesse ao consumidor final o Windows por download por algo como US$ 10 ela teria um lucro fantástico, por que a maioria das pessoas não se recusaria a pagar um valor tão baixo e apenas um pequeno grupo insistira em correr o risco e comprar uma versão pirata sem atualizações e suporte. A distribuição por download seria muito lucrativa para a MS que não teria custos de embalagem, distribuição, seguro, meio fisco, etc. Mas se alguém quisesse comprar a caixa física nas lojas por US$ 35, seria um preço justo.  Isso acabaria com a pirataria!

Quão caro é desenvolver um software?

A Microsoft divulga os seus investimentos. No ano passado (2008) ela investiu em pesquisa e desenvolvimento US$ 8 Bilhões (fonte: Yahoo! Finance). Seguramente a maior parte não foi Windows, além do Office ela faz centenas de outros produtos, muitos deles direcionados ao mercado corporativo. Os novos produtos (concebidos do zero) exigem sempre muito mais investimento. Além disso, ela provê software e serviços gratuitos, como o explorer, hotmail, messenger, etc. Mesmo com toda a pirataria ela faturou US$ 60 Bi! Isso implica que a Microsoft teve um lucro líquido no ano passado de 70,73%! Nem o tráfico de drogas dá tanto lucro!

E se a pirataria acabasse?

Mas vamos imaginar por um minuto o que aconteceria com a MS se por acaso fosse impossível piratear o Windows e o Office. Vamos imaginar ainda que isso permitisse a MS diminuir seus preços pela metade, supondo que ela fosse benevolente já que com sem pirataria seu lucro seria maior (observe que ela já tem um lucro obsceno mas não baixa os preços).

Uma enorme parcela de consumidores, principalmente os de baixa renda e em países de 3º mundo não teriam condições de pagar um Windows e mais um Office. Assim eles teriam que ir para a única alternativa economicamente viável, ou seja, Linux e o Star Office. Para quem não conhece são versões gratuitas do sistema operacional e da suíte de escritório. Esses sistemas (vou deixar os amantes do Pingüim furiosos) não são tão bons quanto o Windows e o Office. Mas considerando que são gratuitos eles tem um custo/benefício infinitamente melhor. Na realidade eles são muito bons e a cada dia se tornam melhores.

 

Dá para entender como um sistema operacional e uma suíte de escritório conseguiram ser distribuídos gratuitamente? Eles recebem constantes updates e fazem praticamente todas as funções que seus sistemas rivais. Será que alguém é louco de jogar milhões de dólares de desenvolvimento pela janela?

Só se para desenvolver e suportar esses sistemas não seja tão caro assim. O Linux e o Star Office fazem parte de uma idéia, chamada sistemas de código aberto. Onde tudo que se exige dos seus participantes é não cobrar nada pelo software desenvolvido e que ele possa ser distribuído livremente. Até agora eles vem fazendo um trabalho impressionante e muitas organizações como Sun e IBM vem apoiando (com dinheiro é claro) um sistema operacional que é distribuído de graça! Isso não é incrível? Será que eles são loucos?

Mas se o sistema é distribuído de graça e quase tão bom, por que as pessoas pagam uma fortuna por um Windows Vista Ultimate outra por um MS Office?

Como eu já expliquei a indústria de informática necessita de padrões. Imagine que houvesse no mercado centenas de processadores de textos, planilhas e programas de apresentação. Ao enviar um texto para alguém por e-mail provavelmente essa pessoa não teria o mesmo processador de textos que você. Assim ela teria que passar por um processo de conversão de arquivos, que além de aborrecido iria trocar a posição de figuras, o texto escrito pareceria estranho e dependendo dos efeitos utilizados eles poderiam simplesmente desaparecer e não ser convertidos. Imagine agora que essa pessoa edita esse arquivo convertido e envia de volta para você para que você acrecente correções, aí mais um processo de conversão com perdas e falta de compatibilidade. Isso pode se tornar muito mais dramático se você estiver usando uma planilha e fórmulas que não são suportadas pelo concorrente. A planilha chegaria do outro lado inútil. Além disso, cada software necessita de uma curva de aprendizado. Imagine que você chegue para trabalhar e sua empresa usa um sistema operacional e um processador de textos totalmente diferente do que você está acostumado. Você simplesmente iria se tornar um analfabeto digital até adaptar-se a nova plataforma. Ou seja, as pessoas e empresas pagam, só porque elas necessitam da legalidade e, portanto elas não têm "opção". Elas têm que seguir o padrão do mercado! Isso poderia ser considerado como extorsão.


Resistência a mudança.

As pessoas relutam em mudar de sistemas operacionais e programas. Os obstáculos à mudança são grandes. Se fosse impossível de piratear o Windows e o MS Office, as pessoas teriam que se adaptar ao Linux e ao Star Office. Com o tempo, o grande número de usuários faria com que a usabilidade e a depuração fossem cada vez mais sofisticadas. Em outras palavras, mais usuários, mais bugs são descobertos e solucionados, mais demandas de usuários maiores funcionalidades são acrescentadas.

Assim não demoraria muito para que empresas percebessem que as pessoas já vinham treinadas de suas casas para usar Linux /Star Office e que o sistema gratuito seria tão bom quanto o comprado e ainda que se ela adotasse o sistema ela poderia não pagar nada também!

Em alguns anos sistemas esses sistemas se tornariam o novo padrão deixando a MS de fora do mercado.

Surpreendentemente isso não acontece! E a razão é muito simples....

Para que você vai ter que aprender tudo de novo, e usar um sistema operacional e uma suíte de escritórios que é boa, mas que não é a melhor se você pode conseguir a melhor combinação "de graça" através da pirataria?

O maior inimigo do software livre é a pirataria! Graças à pirataria os produtos da Microsoft são amplamente difundidos no mercado e uma unanimidade instalados em cerca de 95% dos microcomputadores e todo o mundo. Se a pirataria fosse combatida eficazmente as pessoas iriam para os sistemas de software livre destruindo assim o monopólio da Microsoft.

Assim por mais paradoxal que seja a Microsoft se beneficia indiretamente da pirataria. Muita pirataria arruinaria seu negócio, mas nenhuma pirataria também. A MS portanto procura manter a pirataria de maneira “controlada” para permitir sua hegemonia. O lema informal é: “Antes os usuários usem o software pirata do que usem o software do concorrente!”.

É claro que a Microsoft poderia desenvolver um programa que tornasse a vida dos piratas um inferno. Um programa que enviasse periodicamente ao fabricante a lista dos programas instalados. Com essa informação ela poderia criar mecanismos de bloqueio dos sistemas operacionais piratas (ela já faz parcialmente isso). Isso poderia estar tão emaranhado no sistema que seria praticamente impossível retira-lo (ela não faz isso). Com essas informações em mãos a Microsoft poderia acionar judicialmente as pessoas que comprassem software pirata.

Lembre-se de que você não compra o software, mas compra uma licença de uso. Assim a propriedade continua sendo do fabricante que pode fazer o que quiser com o software que é dele e não seu. Portanto não seria uma invasão de privacidade! É verdade que seria judicialmente questionável, mas as produtoras poderiam fazê-lo como única forma de controlar a pirataria.

Mas ao fazer isso a MS estaria empurrando legiões de usuários diretamente nas mãos do software de código aberto (grátis). Ela sabe disso! Sabe que as pessoas temeriam por sua privacidade! Ela sabe que seria um imenso tiro no pé. Por isso ela não o faz! Ao invés de lucrar pouco de cada um e ganhar no volume a MS prefere cobrar das empresas que são forçadas a cumprir a lei, de algumas pessoas que pagam pelo software original com medo de serem acionadas na justiça e ameaçar a condenar as pessoas comuns que pirateiam, forçando-as a pagar preços abusivos por conta de seu monopólio.

Isso é justo?

 
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